Os círculos exprimem-nos a existência.
Se eu pudesse escolher não nomearia outra forma; ainda que doa, ainda que por vezes a recta seja um sonho pelo qual bramo.
Há uma gaveta, não, um sótão inteiro, repleto de passado e anseios incorrespondidos. Nesse sótão cheira aos mais deteriorados fosseis da alma.
Penetro-o de mãos ancoradas nos bolsos, cerro-as e rogo audácia, eu não devia estar aqui…
Passou demasiado tempo; os entretanto são longos, quase eternos, por vezes até parece que desta vez foi suficiente.
Perpetuei este engano motivada pela parte racional – a lógica por detrás do absurdo das emoções, o efeito curativo dos anos – até hoje, até à resignação: este é o meu círculo inalterável.
Durante este extenso intervalo cresceram as mais bonitas flores num espaço que é de pó. A janela ficou fechada mas a cortina recolhida. A luz é escassa e melosa, a atmosfera sufocante mas aprazível. A aparência tem de ser tão contraditória quanto tu.
Vagueio pelo espaço, pela tua prisão, os objectos converteram-se num mero suporte da tua persistência. E pelo chão cartas, palavras, as tais.
As mãos tateiam o papel envelhecido, o meu círculo tornou-se demasiado óbvio, quanta repetição… Leio, releio, preocupo-me: e se não houver nada mais para além destas réplicas, e se o ponto de chegada for sempre este sótão?
Volto a adormecer no espaço incerto que tanto me abrigou o escorraçou. A madeira é quente, áspera. Confesso que senti a falta…
Raquel Dias
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