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14 de novembro de 2013

Eu, o pudim flã e uma indagação sobre o sentimento de culpa

The only way to get rid of a temptation is to yield to it. Oscar Wilde fucking new it. 

Enquanto devoro o terceiro pudim flã do dia – yap! – começo a sentir uma certa destabilização na consciência… Remorso. Quem leu as minhas resoluções de ano novo sabe que um dos pontos se referia precisamente à minha relação com o açúcar. Escusado será dizer que estou a falhar redondamente (e ainda nem a metade de Janeiro chegamos, snif snif…). Em minha defesa penso idiotices como “é porque estou quase com o período” ou “vá, que diferença é que vai fazer mais 100 gramas de pudim quando subo centenas de degraus várias vezes ao dia…”. Vivo num auto engano consciente, o que podia ser hilariante, não fosse o fantasma dos diabetes assombrar-me com imagens de pés amputados.
E no entanto aqui estou eu, a raspar a embalagem na ansia de preencher 5 milímetros da colher, perfeitamente ciente de que amanhã não vou suportar ver-me com aquelas calças de ganga justinhas.
Em conversa noctívagas, uma amiga esclareceu-me que devemos dar ao corpo o que ele pede. Nem mais. Se pede açúcar é porque realmente precisa de açúcar. Isto gerou alguma controvérsia. Se atendêssemos sempre – e levianamente - aos desejos descabidos do nosso corpo, o mais provável seria vermos a humanidade a rebolar para a cova.
Mas logo a conversa começou a tomar outros contornos. De uma alimentação imprudente passamos ao sentimento de culpa per si. O remordimento, que inicialmente apenas associávamos aos hambúrgueres do McDonalds e aos pudins flãs, rapidamente se alastrou a todas as áreas da vida. Debatemos o conceito, questionamos a sua natureza, função, necessidade… Mas nenhuma das questões culminou em mútuo entendimento.
Não faz mal, pensei, assim que chegar a casa vou escrever sobre o assunto à minha vontade.



*


Eu que gosto muito de teorias freudianas concluí que o sentimento de culpa pode ser interpretado como uma frustração concebida pelo confronto da realidade com o superego. Simplificando: a culpa gere-se a partir da consciencialização de uma má gestão dos impulsos. 
Agora pergunto-me, será que esta frustração tem como principal ponto de partida os impulsos materializados ou os que ficaram por concretizar? the old topic: arrependemo-nos mais depressa do que fizemos ou do que não fizemos?
A malta do carpe diem defende que a deceção provém do que ficou por cumprir. Por isso, segundo os mesmos, é preferível que nos atiremos de cabeça do que continuemos o trilho com uma maldita pedra no sapato.
Os outros, apelidados de prudentes, aclamam que devemos ponderar todas as consequências de modo a evitar sofrer da dita destabilização da consciência.
Pessoalmente, eu acredito que optar pelo que é aparentemente desadequado é necessário. Não apenas porque é na incerteza que reside a oportunidade, mas sobretudo porque é no erro que reside a aprendizagem. Porque é necessário saber conviver com a nossa própria consciência. Porque chegou o momento de adaptar a moralidade aos nossos valores intrínsecos em vez de perseguir um decoro imposto por uma sociedade corrompida.
Claro que não devemos ilibar todos os erros e más ações levianamente. O ideal é que, uma vez cometido o delito, sejamos capazes de reconhece-lo e trabalha-lo interiormente. O que é que eu aprendi com isto? O que posso fazer para corrigir as coisas? Todo este processo conduz à libertação do sentimento de culpa. É uma aflição tremenda, sim, mas pode ser gerida, aplacada, e ainda beneficiosa.
Para além disso, às precisamos de sofrer um pouco. A dor da culpa pode chegar a ser inferior à dor de não agir. E remetendo uma vez mais ao prezado senhor Wilde, é preciso ceder às tentações. O remordimento geralmente é passageiro, não há que ter-lhe tanto pavor. E se não for, é porque se fez algo realmente imperdoável (ocorre-me homicídio ou violação?!) e bom, ai já não sei se haverá entendimento consciencial capaz de solucionar as coisas…
Desesperar quanto à ideia de que se poderia ter “construído” um futuro melhor se se tivesse atuado de forma distinta é um pensamento ingénuo e sem lógica. Esta crença levanta questões como: um comportamento ou ação define irremediavelmente o futuro? E quantas vezes a partir de coisas negativas não surgem coisas positivas?
Eu não creio que o remordimento nos seja absolutamente inerente. A culpa é-nos implantada pelas expectativas alheias, que a dado ponto se tornam nossas.
Por isso devemos aumentar as nossas vivências sem medo; este é o caminho da evolução e do aprimoramento do espírito. Errar não é errado. É natural e necessário. Não podemos deixar que a culpa – e sobretudo que o medo de sentir culpa – nos impeça de experimentar o Mundo.




(E com isto vou comer outro pudim flã sem sentir-me culpada.)



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