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22 de novembro de 2012

linhas de contra-senso: viaggio in Italia - parte 1


Estava a estremecer de tal modo que o engravatado que se encontrava sentado à minha direita não hesitou em perguntar-me, com um ar genuinamente preocupado: a senhora sente-se bem?
Dei-lhe uma resposta bastante poética que, infelizmente, não é da minha autoria: existem duas formas de enfrentar a vida. Seguir sempre o caminho principal ou ingressar por todos os desvios que surgem. Eu neste momento estou bastante desviada da rota. 
Ao debater-se com uma resposta tão improvável, o homem olhou-me perplexo e algo confuso – talvez me julgasse louca – acabando, no entanto, por esboçar um sorriso sincero. Então boa sorte, disse-me.
Não posso descrever ao certo o sentimento que me invadiu na véspera. Apesar de ser algo familiar, nunca me tinha avassalado de forma tão violenta (ao ponto de comprar os bilhetes na internet, logo eu que sempre temi estas modernices…).
Talvez no fundo a minha espontaneidade esteja a disfarçar um medo – ou problema – bem mais profundo que não consigo detectar. Ciente disto ou não, comprei um bilhete de ida e volta no site da edreams, forneci todos os dados que me requisitaram, e ainda renunciei ao seguro de viagem. 
Como se costuma dizer no bom português, o preço foi de facto um achado. Foi uma motivação, quase que um sinal. Apesar de estar bastante determinada, se o preço fosse algo exorbitante eu não teria cometido a loucura. E esta crónica certamente nunca seria escrita. 
De pronto imprimi os bilhetes e guardei-os com a vida.
Ainda imersa num êxtase inexplicável tirei a mala vermelha do armário e comecei a arremessar roupa ao acaso para o seu interior. Não me preocupei com a temperatura ou com as conjugações de peças. E no meio de tanta urgência e alienação, esqueci-me justamente do meu bem mais precioso: a máquina fotográfica. 
A Canon ficou-se pela estante, a observar-me, entristecida, a exclui-la despropositadamente da que seria a viagem da minha vida
Escusado será dizer que a máquina fotográfica não foi o único objecto deixado para trás; na lista de bens olvidados constam imprescindíveis como a escova de dentes.
Nessa noite, a poucas horas do voo, não houve sono que me aquietasse. Sentia um formigueiro percorrer-me o corpo, o coração prestes a estalar, a consciência a vacilar, que raio estás tu a fazer, Raquel?! 
Assegurei-me milhentas vezes de que havia colocado o despertador para as 6:30, ainda que na realidade não fosse necessário faze-lo; o meu corpo jamais me deixaria adormecer ou esquecer a aventura que se avizinhava. 

Comecei a escrever estas linhas no avião, com o intuito de acalmar os ânimos e ocupar a hora e 45 minutos em que atravessava os céus. 
O engravatado continuava a sorrir-me esporadicamente, não sei se por pena ou se por simpatia, ao que eu retorquia um incontrolável sorriso impaciente, baixando automaticamente a cabeça para o caderno. 
Sentia-me vulnerável a um ataque do coração, ataque de consciência, a uma rutura súbita da fantasia, por outras palavras, ao arrependimento. 
E no ponto em que estavam as coisas, o remorso seria bem mais fulminante que todos os perigos contidos neste incalculado desvio. 
Repensei nas opiniões que não consultei, nas autorizações que não pedi. Pouco importava agora, que estava sentada no acento 6F, rumo à minha indomável vontade, graças às minhas inacreditáveis poupanças – quem diria, hm?

Nas companhias lowcoast não servem comida. Pelo menos não gratuitamente. No entanto tentam impingir perfumes, raspadinhas e cigarros electrónicos. Em condições normais, a constante voz do capitão a ecoar catálogos e promoções irritar-me-ia bastante. Mas neste caso agradeci todo a distracção; nesses intermitentes espaços de tempo conseguia abstrair-me da loucura e cobiçar o novo perfume da Givenchy, ainda que lhe desconhecesse o cheiro.

Finalmente avistei Milão ao fundo das nuvens. O comandante informou-nos da temperatura – precisamente 13 graus – e da possibilidade de aguaceiros para o resto do dia. Este facto não me incomodou, muito pelo contrário. Dado que ainda tinha uma viagem de comboio pela frente, a ideia de adorna-la com chuva pareceu-me perfeita. 
Quando aterramos, o homem de gravata deu-me uma reconfortante palmadinha no ombro e voltou a desejar-me sorte; creio que algo no meu discurso o fascinou, porque os seus pequenos olhos azuis cintilavam para lá das lentes. 
Desci do avião com a pequena mala vermelha e atravessei o aeroporto em passo acelerado. Não me atrevi a ligar o telemóvel.
Apanhei um táxi rumo à estação e aproveitei para exibir o meu péssimo italiano: Tenga pure il resto, grazie!
A stazione centrale de Milano é um edifício bastante bonito no qual mal reparei.
O nervosismo voltava a atacar-me e piorou significativamente quando, frente ao painel de partidas, me deparei que precisamente à mesma hora saíam os comboios rumo a Verona e a Firenze. 
- Dove? – Perguntou-me a senhora do guiché, no seu simpático estilo italiano.

- È veramente necessario dire?



Raquel Dias

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