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3 de agosto de 2013

uma canção de Rui Veloso

No outro dia falei-lhe duma canção e ele pediu-me que cantasse o refrão. A minha tímida voz optou por cantarolar o verso final. Queria oferecer-lhe essas últimas palavras, são para ti, sem rodeios ou eufemismos, é exatamente isto que sinto.
Ele sorriu sem no entanto compreender. Por muito que as nossas línguas se assemelhem, a verdade é que para alcançar Rui Veloso – e Carlos Tê, neste caso – é preciso dominar a essência do português. Eu expliquei-lhe o que significava e assustei-me com a exposição a que me submetia… Tenho os músculos do peito rígidos e doí-me horrores senti-los distender. Mas há que permiti-lo, é um sofrimento terapêutico, “o que arde cura”, como diz a minha mãe.
Com o coração a latejar na garganta e um fogo atiçado nas vísceras, afastei o meu olhar para o horizonte. Não quero que se me notem estas coisas. Na verdade, não quero que se me note nada.
Mas até isso já ele sabe. Diz que é o por ter a lua em escorpião. Sou excessivamente emotiva mas desenvolvi uma capacidade surpreendente de dissimula-lo.
Enlouqueço sozinha e curo-me depressa. Tenho ocasionais ataques de ansiedade de que ninguém suspeita. Fico um dia inteiro na cama, sem comer, vagueando entre sonhos inquietos e uma realidade perturbadora, tentando conviver com o mal-estar físico. No outro dia a Patrícia resolveu assistir à minha demência e trouxe-me chocolates.
Ele disse-me que também é assim, nervoso e impaciente, mas que tem vindo a conquistar a serenidade, pelo menos na presença de outros.
Ele refugia-se em seitas e ideias manhosas, eu limito-me a aceitar as coisas como elas são… Conformo-me com o meu lado lunar e até sou capaz de aprecia-lo.
Controlar a mente é o seu anseio, a meta para a qual tanto medita. Eu digo-lhe que gosto do caos, do desnorteio provocado pelo inconsciente eufórico.
Olhamo-nos com mútuo encanto, adormecemos por alguns minutos, ele corre no sonho, sinto-o correr.


Raquel Dias

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