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6 de janeiro de 2014

outra cadeira

Sinto a reivindicação no peito. Tenho que despir a pólvora, este veneno sedimentado!
Não vou voltar a fingir saudade, não vou vangloriar-me dos meus erros fatídicos.
Não vou escrever coisas sinistras e aflitas, não vou perder-me na avidez dos sentidos, nos gritos pecaminosos, nos esboços do que não somos.
Quero ir na brisa, no vento dançante que embala as árvores.
Não quero esta lucidez vertiginosa, não quero encontrar-te na prosa dos dias na semente dos sonhos. Bendita a luz que a dor pariu.
Não serei mais o estuário das tuas misérias. Nem aquela que mastiga as crostas das tuas feridas.
Hoje mesmo pegarei fogo às raízes. Encontrarei uma forma de não perder-me mais.
O meu corpo, aberto e fino, voará para lá do oceano, para longe deste estranho amor alucinogénio. Eu sei que serei feliz.

Agora, para começar,
Sento-me noutra cadeira e contemplo a velha carcaça. Bendita seja esta luz.


Raquel Dias

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