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23 de novembro de 2016

memórias de figos quentes entre os teus dentes de cão manso.

tenho o
cheiro quente dos figos e um
mendigo de língua cortada
ancorados nos meus pesadelos de
areia morna em lençóis frios e
rios de barcos desgastados
que levam ex-namorados e as
cartas para outro no

porto das lembranças estancadas.
vês que ainda tenho a
tendência de torcer-te os gestos e
retroceder num desonesto recordar
como se a
língua perdida do mendigo me
lambesse o ouvido e eu
gostasse.
vês como até 
tenho a tosse que 
cospe um velho infeliz que
diz que a Terra não é redonda (porque se fosse, os nossos olhares já se teriam encontrado por algum beco desolado da cidade prometida…)
tenho a
terrível ferida do tempo impressa de
forma permanente na testa a
pressa de chegar ao princípio e
fazer tudo outra vez
tudo igual e
assim sucessivamente até que
o corpo seja pó 
sem dó ou rancor, até
que possa
finalmente
mastigar um figo na
boca do mendigo com

os meus proprios dentes.


                                                                                                                  Raquel Dias





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