tenho o
cheiro quente dos figos e um
cheiro quente dos figos e um
mendigo de língua cortada
ancorados nos meus pesadelos de
areia morna em lençóis frios e
rios de barcos desgastados
que levam ex-namorados e as cartas para outro no
porto das lembranças estancadas.
vês que ainda tenho a
tendência de torcer-te os gestos e
retroceder num desonesto recordar
como se a
língua perdida do mendigo me
lambesse o ouvido e eu
gostasse.
vês como até
já tenho a tosse que
cospe um velho infeliz que
diz que a Terra não é redonda (porque se fosse, os nossos olhares já se teriam encontrado por algum beco desolado da cidade prometida…)
tenho a
terrível ferida do tempo impressa de
forma permanente na testa a
pressa de chegar ao princípio e
fazer tudo outra vez
tudo igual e
assim sucessivamente até que
o corpo seja pó
sem dó ou rancor, até
que possa
finalmente
mastigar um figo na
boca do mendigo com
os meus proprios dentes.
Raquel Dias
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